Parece, mas não é….
Diante da complexidade da discussão sobre mudanças de regras de financiamento público da saúde, é comum que as críticas ao SUS girarem em torno daquilo que se vê: filas e demora no atendimento, falta de profissionais de saúde e falta de medicamentos. Então, no lugar de discutir os motivos pelos quais o sistema tem dificuldades para operar – que é basicamente pela falta de recursos suficientes –, a discussão migra para culpar a eficiência do SUS.
Uma coisa é falar de um sistema que tem um financiamento que dá conta de garantir o que ele precisa. No nosso caso, não. No SUS, o subfinanciamento é crônico, e dizer que o problema é de má gestão, por exemplo, é não olhar para o problema central. O que não quer dizer que a gente não precise melhorar a gestão. Sempre será importante, do mesmo jeito que sempre será preciso aperfeiçoar as políticas públicas (que não são estáveis e sempre vão mudando, aliás). Mas, até para melhorar as políticas públicas e a gestão, precisa ter dinheiro.
Desde quando o SUS foi criado, sempre houve um discurso neoliberal de difamação em torno do sistema público de saúde. As dificuldades de operacionalização do SUS são reais, mas dizer que a privatização seria uma solução definitiva para os gargalos é uma verdadeira mentira.
Em junho deste ano, a revista científica The Lancet Public Health publicou estudo em que analisou os efeitos da Lei de Saúde e Assistência Social de 2012, que levou a um aumento constante até 2020 do uso de serviços prestados por empresas privadas dentro de funções do National Heath Service (NHS), o sistema de saúde inglês. A conclusão do estudo associou a privatização desses serviços do NHS a uma queda na qualidade dos cuidados prestados aos doentes e ao aumento da mortalidade por causas tratáveis. Então, é preciso uma discussão mais aprofundada e ponderada sobre o quanto as lógicas de mercado devem ou não se sobrepor ao direito universal de acesso à saúde.
Já parou para pensar: será, mesmo? Na pandemia da COVID-19, o governo federal determinou destinação emergencial de recursos para vacinas e infraestrutura extra a hospitais, deixando de lado as regras da emenda do Teto de Gastos. Apesar dos custos extras – e apesar da gestão desastrosa do governo vigente – a União teve capacidade para enfrentar a pandemia sem causar maior endividamento público, sem precisar pedir ao Banco Central para emitir mais dinheiro, por exemplo, que seria uma das medidas extremas – e que demonstrariam a falta de recursos suficientes.
A pandemia nos mostrou que a definição de ter ou não dinheiro para a saúde é parte de uma decisão política e econômica. Então, veja como é importante, especialmente em anos eleitorais, sabermos qual é o plano de governo dos candidatos a presidente da República, governador, senador, deputado federal, deputado estadual ou deputado distrital, tanto para a saúde de uma forma geral, quanto para a manutenção e gestão do SUS.
As evidências mostram que cada R$ 1,00 investido na saúde tem um efeito multiplicador no Produto Interno Bruto (PIB) do dobro deste valor. O que isso significa? Quando o governo investe R$ 1,00 em saúde, retornam aos cofres públicos R$ 2,00. É como se a saúde fosse um investimento que o governo faz e que tem o dobro do lucro do que investiu. E esse lucro poderia ser reinvestido na saúde e também em outras áreas como desenvolvimento, infraestrutura, educação etc.
Por isso a importância de apostar em candidatos do Executivo e do Legislativo que levem a sério a discussão sobre as mudanças nas regras de financiamento público e de arrecadação para que o SUS receba mais recursos e opere melhor em um futuro próximo.